Compliance e a Confiança dos Brasileiros: Aspectos da Teoria do Capital Socialo

A Teoria do Capital Social já foi amplamente estudada, mas ainda não possui um conceito único, para tanto, Putnam (2002) afirma que é o conjunto de características de uma organização social, como: confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as ações coordenadas, enquanto que Fukuyama (2000) acredita que é a capacidade que decorre da prevalência de confiança numa sociedade, ou em certas partes dessa sociedade, sendo um conjunto de valores ou normas informais, comuns aos membros de um grupo, que permitem a cooperação entre eles.
Não obstante, estes dois conceitos possuem um ponto em comum: a confiança. Neste sentido, a OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, desenvolveu um estudo com diversas pessoas de 34 países, que perguntava: Você confia na maioria das pessoas que você conhece? Esta pesquisa demonstrou que os maiores índices de confiança foram registrados em países como: Dinamarca, com 75% de confiança, Noruega (73%), Holanda (67%), Suécia (62%) e Finlândia (62%), Nova Zelândia (57%), Suíça (53%), Austrália (52%) e Islândia (49%), não sendo coincidência que são países com melhores índices de qualidade de vida.
Os menores índices de confiança foram registrados no: México, Turquia e República Eslovaca, onde apenas 12% da população afirmou que confiava nos outros, entretanto, no Brasil, essa pesquisa evidenciou que apenas 7% da população possui essa confiança, ou seja, 93% dos brasileiros não confiam em outros brasileiros.
A pesquisa evidencia que o fato das pessoas possuírem confiança entre si, demonstra o quanto a sociedade é coesa como um todo, como bem ensina Bodart (2016), que o conceito sociológico de coesão social está relacionado a uma espécie de estado pelo qual os indivíduos mantêm-se unidos, integrados em um grupo social, ou simplesmente um estado de integração coesa do grupo social. Porém, é preciso entender que não é apenas o quanto há de confiança entre os indivíduos de uma sociedade, mas também o quanto essa sociedade confia naqueles que elegeram, pois segundo a OCDE (2019) uma sociedade coesa é aquela em que os cidadãos confiam em instituições públicas e consideram que a economia e as instituições não estão sujeitas à corrupção. Para a OCDE, confiança e questões de corrupção são dimensões fortemente relacionadas à confiança social.
Logo, se em uma sociedade, os cidadãos não conseguem confiar uns nos outros, como também em suas instituições governamentais, evidencia-se que este país possui baixo Capital Social, o que afeta diretamente a eficiência da sociedade e de suas instituições, provocando baixa participação popular, com também diversos prejuízos: à democracia (com a banalização das instituições representativas), à sociedade (com subtração dos direitos adquiridos), à economia (com queda progressiva dos índices de crescimento), às instituições públicas (com descrédito popular) e à política (estereotipada pela corrupção e impunidade).
Segundo a Transparência Internacional, organização não governamental que monitora a corrupção no mundo, o Índice de Percepção da Corrupção, num comparativo entre 180 nações, afirma que o Brasil ocupou a 106ª posição no ano de 2019, demonstrando o quanto a corrupção nas instituições públicas é percebida pelos brasileiros. Entretanto, existe um movimento anticorrupção avançando no Brasil, que participa de diversos acordos internacionais, com a OCDE, OEA e ONU, fortalecendo a construção e aprovação de uma base legislativa brasileira para combate à corrupção, como:
Lei n.º 4.717/1965 – Lei da Ação Popular: qualquer cidadão pode entrar com ação popular propondo a anulação de atos lesivos ao patrimônio público.
Lei n.º 7.347/1985 – Lei da Ação Civil Pública: objetiva o controle e responsabilização de atos lesivos, apurando a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Lei n.º 8.429/1992 – Lei de Improbidade Administrativa: Objetiva a aplicação de sanções àqueles que praticam condutas e enriquecem ilicitamente na condição de agentes públicos.
Lei n.º 8.666/1993 – Lei das Licitações e Contratos: propõe requisitos e normas para a realização de licitações e contratos administrativos.
Lei nº 9.613/1998 – dispõe sobre os crimes de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores: a prevenção da utilização do sistema financeiro para ilícitos e criação do Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF.
Lei Complementar nº. 135/2010 – conhecida como Lei da Ficha Limpa, originada de um projeto de lei de iniciativa popular e idealizada pelo ex juiz Marlon Reis, torna inelegível por oito anos um candidato que tiver o mandato cassado, renunciar para evitar a cassação ou for condenado por decisão de órgão colegiado, mesmo que ainda exista a possibilidade de recursos.
Lei nº 12.529/2011, regulamenta o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, reunindo as competências de implementação da legislação antitruste em uma só autoridade – CADE- Conselho Administrativo de Desenvolvimento Econômico.
Lei nº 13.303/2016, regulamenta o Estatuto das Estatais estabelecendo a obrigatoriedade de as empresas públicas e sociedades de economia mista adotarem regras, estruturas e práticas de gestão de riscos e controle interno.
Todas estas leis vêm contribuindo para o combate à corrupção brasileira, com destaque para o ano de 2013, quando o Brasil avançou ainda mais com a aprovação da Lei nº 12.846, conhecida como Lei Anticorrupção Brasileira, instituindo a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas, com bem explica Magalhães (2014), que a responsabilidade objetiva imposta às pessoas jurídicas não exige prova de conduta culposa, sendo devida pela simples prática de ato contra a Administração Pública, configurando, assim, responsabilidade por culpa objetiva.
A lei também exige a adoção de Programas de Integridade, também conhecidos como “Compliance”, que são definidos como um conjunto de mecanismos e procedimentos de integridade, adotados pelas empresas, para prevenir, detectar e remediar atos ilícitos, podendo ser um atenuante nas elevadas multas administrativas e judiciais.
Além disto, muitos estados e municípios estão implantando os seus próprios Programas de Integridade e ainda exigindo que as empresas que firmarem contratos com a Administração Pública tenha Programas de Integridade implantados.
Os cartórios também foram inseridos na Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA) através do Provimento nº 88 do Conselho Nacional de Justiça, determinando que sejam estabelecidos políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo.
Quanto às licitações, há uma discussão acerca do projeto que discute a nova lei de licitações – PL nº 1292, que poderá exigir o Programa de Integridade para celebração de contratos pela empresa vencedora do certame com o governo, prevendo que o Programa de Integridade seja um dos critérios de desempate em processos licitatórios. Um outro projeto, o de nº 429/2017, está discutindo a obrigação dos partidos políticos de implementar também os programas de integridade.
Na iniciativa privada, o PL 455/2016 discute a alteração do Código Penal Brasileiro para tipificar como crime a corrupção privada. Nesta área observa-se um avanço importante em relação ao Compliance Privado, pois existem inúmeras contratantes multinacionais, que antes de contratar empresas brasileiras realizam os chamados background checking ou integrity due diligence, especialmente para identificar se tais contratações podem oferecer riscos no que diz respeito à corrupção.
Apesar de toda essa mudança legislativa no Brasil, resta o desafio de diminuir os índices de corrupção, aumentar a confiança dos brasileiros e o seu capital social, que segundo a Transparência Internacional (2019), algumas medidas devem ser adotadas pelos poderes legislativo, judiciário e executivo, pelo setor privado e também pela sociedade, como: aprovação pelo congresso de reformas estruturais anticorrupção, responsabilização de membros por mau desempenho e corrupção e aos privilégios no judiciário e Ministério Público; atuação contra o financiamento ilícito de campanhas e o desvio de fundos públicos; afastamento de membros investigados por corrupção no governo; respeito às liberdades constitucionais de expressão e associativismo; aprimoramento dos Programas de Integridade nos municípios; ações coletivas pelo setor privado para o estabelecimento de códigos de conduta e fomento ao compliance nas cadeias de suprimento; promoção de melhores práticas de integridade pelas federações de indústria e comércio e outras associações empresariais e a conscientização do direito de voto para eleger candidatos com ficha limpa e com compromisso com a pauta anticorrupção.
Para Reis (2015), a confiança nas instituições constitui um dos elementos definidores da qualidade das democracias e Putnam (2002) constatou que as regiões com maior capital social se desenvolveram economicamente mais depressa, criaram melhores infraestruturas e diminuição das desigualdades. Assim, espera-se que toda esta movimentação anticorrupção brasileira aumente a confiança dos brasileiros nas instituições, potencializando a participação da sociedade e sua coesão social, contribuindo para um país íntegro e livre de corrupção.
REFERÊNCIAS
BODART, C.N. O conceito de coesão social, 2016. Disponível em <https://www.cafecomsociologia.com/para-entender-de-uma-vez-o-que-e-coesao-social/>. Acesso em 26/ 02/ 2020.
FUKUYAMA, F. Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade. Rio de Janeiro: Rocco, 1996
MAGALHAES, R.M.J. Aspectos relevantes da lei anticorrupção empresarial brasileira-Lei nº 12.846/2013. Fortaleza: TCE- Ceará, 2014.
REIS, M. TCU: Legitimidade depende da confiança, 2015. Disponível em <http://www.marlonreis.net/?pag=artigos&acao=exibir&id=20>. Acesso em 26/ 02/ 2020.
PUTNAM, R.D. Bowling Alone: the collapse and revival of american community. New York: Simon & Schuster, 2000.
Transparência Internacional. What is the corruption perceptions index? 2019. Disponível em <http://www.transparency.org/cpi2011/in_detail#myAnchor3>. Acesso em 26/ 02/ 2020.
OECD. Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Do you trust other people? Don’t worry, most people don’t trust you either, 2016. Disponível em <https://www.weforum.org/agenda/2016/12/if-you-live-in-a-nordic-country-then-you-probably-trust-others-a-mediterranean-country-forget-it/>. Acesso em 26/ 02/ 2020.
OECD (2019), Society at a Glance 2019: OECD Social Indicators, OECD Publishing, Paris.https://doi.org/10.1787/soc_glance-2019-en >. Acesso em 26/ 02/ 2020.
Autor: DANILA DUARTE é CEO da DD COMPLIANCE, contadora com Certificação Profissional em Compliance (CPC-A pela LEC/FGV), Auditora Líder na ISO 37001 Gestão Antissuborno, Especialista em Auditoria e Controladoria, Especialista em Entidades do Terceiro Setor, Especialista em Segurança do Trabalho, Membra da Associação Nacional de Compliance. Autora dos Livros: Guia Prático do Consultor de Compliance e Riscos Corporativos em Gestão de Pessoas. Auditora pelo Conselho Federal de Contabilidade cadastrada no CNAI – Cadastro Nacional de Auditores Independentes. Formação em Auditoria Baseada em Riscos, Lei Geral de Proteção de Dados e Gestão de Riscos pela Escola Nacional de Administração Pública.
Publicado: 10/12/2020 às 18:06